Em novembro de 2015, tivemos a coragem de dar o passo inicial do que hoje conhecemos como Yoga de Rua. Conheça o projeto!
A PRIMEIRA AULA
Em novembro de 2015, tivemos a coragem de dar o passo inicial do que hoje conhecemos como Yoga de Rua. Numa segunda-feira, pela manhã, num café super lotado, fomos convidando as pessoas para ficarem um pouco mais, para a meditação. E íamos explicando o que era meditação. Ficar em silêncio, observar a respiração. E as pessoas perguntando: isso traz paz? Faz bem pra saúde? Dá equilíbrio? E a gente dizendo que sim.
Então um grupinho de cerca de oito pessoas aceitou a proposta, e tivemos o nosso projeto-piloto. Caminhamos para debaixo de uma árvore em frente à Baía de Guanabara, com vista para o Pão de Açúcar. Lindo dia de sol. E ali nos sentamos e praticamos cinco minutos de meditação, observando a respiração natural. E depois nos apresentamos. As pessoas nunca tinham feito nada parecido. Um aluno nos disse que já tinha visto as pessoas meditando, mas que não sabia o que era. E agora sabia! E todos gostaram do momento de silêncio. Todos disseram que se sentiram mais em paz. Então, sem muita conversa, explicamos mais um pouco a técnica de observar a respiração e praticamos por mais cinco minutos. Antes de abrir os olhos, mentalizamos amor, paz para todos os seres. E ao abrir os olhos, observamos um pouco a natureza.
Em seguida convidamos o grupo para uma caminhada, já na direção de onde seria servido o almoço, que uns amigos se voluntariaram a fazer. Enquanto estávamos ali com o grupo, uma família estava em casa com todo carinho preparando a refeição vegetariana. A caminhada tinha uma orientação meditativa. Em silêncio, observando a natureza, atentos a cada passo e à respiração. Depois de um tempo caminhando, percebemos um belo local debaixo de grandes árvores e decidimos nos sentar mais um pouco para mais uma prática antes do almoço. Novamente sentados em círculo, agora começamos com uma conversa sobre o sofrimento, a origem do sofrimento, a importância da meditação para lidar com as emoções, o caminho de libertação ensinado pelo Buda, o convite à maturidade, à auto-responsabilidade diante da própria vida interior. A conversa foi muito boa, tudo fazia muito sentido para aquelas pessoas. O sofrimento é universal, mas ninguém é responsável pela minha própria dor – eu sou o único responsável pelo que se passa comigo. Posso alcançar esse estado de Buda e partir de agora, com a meditação como caminho, já entendo que há uma forma de trilhar a minha própria libertação.
Animados com o caminho, propusemos uma meditação de 10 minutos. E todos ficaram de olhos fechados, praticando. Pudemos perceber um campo muito bom de prática. Ao final, mais vibração de amor por todos os seres. E a avaliação do pessoal foi muito positiva. Todos gostaram de praticar.
E assim, com a mente mais leve, caminhamos juntos até a “Praça do Índio”, onde foi servido o primeiro almoço do projeto. O cardápio fabuloso: lentilha, couve com gengibre e ghee, arroz cateto e farofa com banana. Nos despedimos e combinamos de repetir essa aula no ano seguinte.
ENCONTROS SEMANAIS
A partir de fevereiro de 2016, começamos a ter esses encontros semanalmente, sempre às segundas, também com almoço ao final da prática. Então, ao invés de caminhar, fomos ficando em um local fixo, e após a meditação inicial começamos a experimentar conduzir algumas posturas de yoga. Também foi sucesso com a turma, que se sentia desafiada com os asanas e ia percebendo os benefícios de relaxamento, leveza, paz interior que o trabalho corporal ia trazendo ao fim da prática.
Começamos a ter alunos assíduos que iam convidando amigos. A turma foi crescendo e começamos a ter uma média de 15 alunos por aula. Sempre alguns pela primeira vez e outros mais constantes. Começamos a divulgar o projeto nas redes sociais e professores de yoga foram aparecendo para conhecer e nos ajudar na condução das práticas. Alguns foram ficando, assumindo a turma e pudemos começar a oferecer as aulas em mais de um dia na semana. Primeiro às quintas-feiras, após o café da manhã que é oferecido na Glória. E, tempos depois, às quartas feiras, no Parque Guinle, após o café que é servido na Praça São Salvador, em Laranjeiras.
A equipe da cozinha também cresceu com o tempo. E professores e cozinheiras foram percebendo que o projeto estava se tornando um “coletivo”, onde as decisões são tomadas em conjunto. Há uma grande dose de descentralização e um incentivo a auto-responsabilidade. Todos são voluntários e percebemos que assim deve continuar. Bem como os alunos, todos sentem o campo de meditação e serviço como uma prática de sua caminhada espiritual, e se responsabilizam pelo projeto com sincero amor e vontade de se dedicar mais e mais.
FILOSOFIAS
Os alunos se mostraram muito interessados em conhecer mais sobre o yoga, sobre o pensamento da Índia, sobre os fundamentos filosóficos do que praticamos ali. Sempre que abríamos uma conversa ao final, ou mesmo no início da prática, surgiam perguntas sobre quem foi Buda, de onde vem o Yoga, se é uma religião… E assim os professores iam trazendo textos para ler, preparando aulas teóricas e dando mais e mais espaço também para a escuta da voz que vem da experiência da rua, ampliando seus próprios aprendizados sobre o universo dos alunos, suas estratégias de sobrevivência, seus sentimentos de estar na rua.
O “coletivo” começou então a trocar entre si essas experiências, essas inspirações teóricas que vão desde João do Rio até os clássicos Upanishads, passando por Deleuze, Nise da Silveira e Diógenes de Sínope, filósofo grego que morava em um barril, fundador do movimento Cínico. Enfim, foi se criando um campo realmente muito fértil de pensar a prática.
Como cada professor tem uma história de formação e somos um grupo aberto a receber visitantes, somos marcados pela pluralidade de ideias, a confiança no diálogo e no respeito às diferenças. É por aí que vamos aprendendo. Uma de nossas percepções é que no momento em que nos sentamos em roda, já não há mais pessoas em situação de rua, mas em “situação de yoga”. E assim praticamos nesse campo que é definido por muitos alunos como um oásis de paz no meio do deserto da vida na rua.
ARTISTAS VISITANTES
Ao longo desse tempo, contamos com a participação de músicos, contadores de histórias, focalizadores de dança circular sagrada, roda de coco, bem como fotógrafos que registravam as atividades e nos ajudaram na divulgação.
A turma sempre os recebeu com muita abertura e participou com alegria desses momentos que acontecem ao final das aulas. Abertos a aprender coisas novas, eles sempre pedem músicas, brincam e entrem nessa atmosfera leve e alegre de roda, experimentando novas emoções para além do mundo hostil e solitário da rua.
PARCERIA COM O ILUMINA-RIO
Em 2017, tivemos uma linda parceria com o projeto Ilumina-Rio, nos meses de março, abril e maio. Uma quarta-feira em cada mês, o grupo de cânticos devocionais, que tradicionalmente se apresenta nas praças da cidade, resolveu fazer sua roda com a gente. Nossa aula se tornou Bhakti Yoga. Os alunos gostaram muito. Foi lindo perceber o potencial da alegria e os benefícios da música, dos mantras e a união entre pessoas em situação de rua e de apartamento. Todos cantando o amor e a paz. Muito emocionante mesmo. Como tem sido todas as nossas aulas.
O CAMINHO DA ALIMENTAÇÃO
Cozinhar e nutrir, aprender a doar amor através das mãos que preparam o alimento. Para garantir aos nossos alunos a tranquilidade de ficarem até o fim da aula, sem a preocupação de correr para uma fila de alguma doação de almoço, desde o começo nos comprometemos a garantir um almoço ao final da prática. E assim se faz parceria: a cada aula, enquanto uma equipe está com o grupo na praça, outra pessoa, ou equipe, está às voltas com a alimentação. Sempre foi um desafio estimar o número de alunos (que varia entre mais ou menos 10 e 20), e calcular a quantidade de alimento para as quentinhas, evitando prejuízos. Quando não havia ninguém para fazer o almoço, recorríamos a lanchonetes da região, ou algum restaurante. Mas com o passar do tempo a equipe foi se estruturando e acolhendo novas voluntárias, que se revezam nesse trabalho tão importante.
MAIS PARCERIAS À VISTA
Especialmente no segundo ano do projeto, a partir de 2017, começou a se definir uma segunda geração da turma. Os alunos fixos estão dando uma cara própria ao grupo, e a equipe está conhecendo mais e mais os nomes das pessoas, um pouco de suas histórias, criando assim um clima de mais amizade e intimidade. Ainda não sabemos os frutos de tudo isso. Mas já estamos pensando em parcerias específicas que podem receber nosso alunos para participarem de outros projetos que possam ser do interesse deles: no campo das artes, da formação profissional, etc.
UMA HISTÓRIA ABERTA AO FUTURO
Continuamos abertos para a chegada de novos voluntários e para a expansão desse campo de prática amorosa. Quem quiser participar pode ajudar dentro do seu limite de tempo. Sem cobranças. Cada um oferece o que tem. Precisamos, acima de tudo, da doação daquilo que vem do coração.